Negritude
Negritude
Vamos
falar da minha escassa, embora imensa, negritude.
Depois
de muita discussão, confusão e indecisão, decidi que sou Negra.
Não cabrita, mulata ou mestiça, uma vez que, estas
designações foram sempre usadas como uma tentativa de atenuar o infortúnio que
é ser-se negro.
Decidi
também que não sou preta. OK preta até posso ser, para quem eu permitir
que me trate assim e não o contrário. Não posso ignorar a carga negativa que
foi dada a esta palavra, e se eu não te conheço, nem as tuas intenções, não me
parece correto que a uses levianamente.
A
temática da raça é sempre complexa. Ao que parece já se chegou a conclusão que
só existe uma raça, será esta a raça humana. E ainda bem. Mas depois caímos da
cama, acordamos e percebemos que há sim, raças.
Vamos
então perceber porque é escassa e também imensa a minha negritude? Vamos que eu
sei que vocês estão sedentos desta minha infinita sapiência.
Escassa pela quantidade de vezes que
ouvi, por parte de brancos:
“Tu
não és preta és mulatinha”
“Tu
não és preta és tão gira”
“Tu
não és preta és tão inteligente” (pumba duas bolas à trave)
“O teu filho já é branco”
Escassa pela quantidade de vezes que
ouvi, por parte de negros:
“ Tu
não és preta, és bem clara”
“Tu
não és preta com esse sotaque bem afinado”
“Tu
não és preta, tens hábitos de branca”
“Deves
ter a mania que és preta”
Ora
ouvir tantas vezes que não somos algo, pode e deve fazer-nos questionar.
Vamos agora falar da minha imensa
Negritude?
Pela
quantidade de vezes que me disseram, tanto negros como brancos, não
necessariamente pela mesma ordem (divirtam-se adivinhar quem disse o quê):
“Porque
não esticas o cabelo e usas assim no ar”?
“Esticaste
o cabelo porquê? Queres ser branca?”
“Tranças
são mesmo a gueto”
“ Ah
o teu namorado é branco? Não gostas de pretos?”
“Ahh
vocês as pretas têm fama de serem muito quentes na cama”
“Deves ter a mania que és branca”
Ufa!
Ficaram confusos e exaustos? Também eu, durante algum tempo. Mas a necessidade
de me entender e de me posicionar neste mundo, porque todos nós, ou pelo menos
alguns de nós, temos necessidade de sentimento de pertença.
Escolho
ser Negra, pois apesar de ter mistura de negros e brancos, não conheci,
infelizmente os meus familiares brancos e fui criada pela parte negra.
Escolho
ser Negra pela quantidade de vezes que minha mãe me chamava de pretinha ou
negrinha em criança para que quando me chamassem de preta na escola, não me
ofendesse em sê-lo.
Pela
quantidade de vezes que a minha avó me disse, tens que te esforçar mais que os
outros porque tu, tu não és branca.
E
por último, mas não menos importante, pelo mufete, pela moamba, pelo
semba e kizomba que aprendi a dançar antes mesmo de aprender a escrever o meu
nome.
Escolho
ser Negra porque quando piso África pela primeira vez entendo de onde
vim.
Escolho
ser Negra pela falta de representatividade na televisão e publicidade, que
fez com que odiasse o meu nariz grosso e o meu cabelo volumoso enquanto crescia.
Escolho
ser Negra, porque quando ouço o discurso da Oprah nos globos de ouro o meu
coração explode de orgulho.
Escolho
ser Negra, porque se algum dia fizer alguma coisa de jeito nesta vida, quero
que uma menina negra olhe para mim, encha os pulmões cheios de ar através do
seu nariz achatado redondo e grande e coçando os seus cabelos emaranhados,
pense. 'Acho que quero ser como ela' .
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